viernes, 28 de septiembre de 2007

277/Entre Vista - Elogio do diálogo(ofícios de viver, ensinar, escrever) a Norberto Bobbio

Por Pietro Polito (Gramsci e o Brasil / La Insignia, setembro de 2007)
Tradução de Marcos Romiti.


No es ni será costumbre de "bussblogger" recoger material filosófico,
científico o ideológico que no sea escrito o traducido al
español/castellano, pero esta vale la pena, como que
no vale el esfuerzo de una segunda traducción, bsolutamente entendible, comprensible con lucidez,
leáse y mastíquese, rb


Pietro Polito.- Prezado professor, antes de tudo, lhe agradeço por ter aceitado a idéia de darmos continuidade ao nosso Dialogo de alguns anos atrás. Espero que esta seja uma nova ocasião para uma "conversa amigável" que satisfaça os dois dialogadores "já pelo prazer que transmite". Em um diálogo com Antonio Gnoli e Franco Volpi, assim Ernst Jünger define "a melhor forma da entrevista". Pois bem, se eu tivesse que dizer qual é o feitio dominante do seu caráter, não teria dúvida em indicar a propensão, ou talvez, a vocação ao diálogo.

Norberto Bobbio.- Para nós que saímos da Segunda Guerra Mundial, que durou cinco anos, o diálogo, mais que uma vocação, foi uma necessidade. Na guerra o outro é o inimigo. Com o inimigo não se dialoga, mas se combate para vencê-lo, vale dizer, para não lhe dar mais a possibilidade de falar. A primeira condição para que o diálogo seja possível é o respeito recíproco, que pressupõe o dever de compreender lealmente aquilo que o outro diz e, mesmo que não se esteja de acordo, procura-se contestá-lo sem animosidades, expondo argumentos prós e contras. Se o diálogo se interrompe por não conduzir a um acordo, não há nada de mau. Pode-se retornar a ele em um outro momento. O diálogo é sempre um discurso de paz e não de guerra. Nestes dias, temos todos à nossa frente uma situação na qual o confronto armado começou quando o diálogo não era mais possível. Não há nenhuma prova melhor sobre o fato de que diálogo e confronto são termos antitéticos: o diálogo somente pode iniciar quando o confronto termina, o confronto começa quando o diálogo não é mais possível.
-Por outro lado, você escreveu muito sobre o diálogo.
Norberto Bobbio- Sim. O que estou dizendo não é uma novidade. Em verdade, sobre o método do diálogo contraposto àquele da discórdia, por algumas vezes, discorri em meus escritos e, em particular, nos escritos sobre a paz e a guerra que você agrupou no terceiro volume de Il terzo assente (1989). Refiro-me, por exemplo, ao discurso "Etica della potenza ed etica del dialogo", que compreende algumas páginas intituladas "Ristabilire la fiducia nel dialogo", onde escrevo: "A ética do diálogo se contrapõe à ética da potência. Compreensão contra prepotência. Respeito ao outro como sujeito contra o rebaixamento do outro a objeto". Reporto-me a isso também em um outro texto, "Il dialogo per la pace", no qual digo: "Para dialogar não basta falarmos, trocarmos palavras. Até mesmo os poderosos deste mundo falam entre si, mas quase sempre cada um fala por si mesmo ou pelos próprios amigos. Dois monólogos não constroem um diálogo". Por último, falei também na introdução ao De senectute, intitulada "A me stesso": "Pode-se servir da palavra para esconder as próprias intenções mais do que para manifestá-las, para enganar o adversário em vez de convencê-lo. Não somente fiz o elogio do diálogo, mas pratiquei-o por muito tempo".

-Não faltaram ocasiões, a começar pelos primeiros anos depois da guerra.
Norberto Bobbio- Você tem razão. Logo após a guerra, que parecia tivesse aberto um diálogo não somente dentro dos Estados democráticos, mas mesmo entre um e outro Estado, o diálogo foi logo interrompido entre a Europa do Ocidente e a Europa do Oriente. Entre uma e outra se ergueu o que então era chamado a cortina de ferro. Para que o diálogo seja interrompido, não é necessário que exploda o confronto, basta que entre os dois potenciais falantes a comunicação se torne impossível. A partir de 1951 participei ativamente das ações da Sociedade Européia de Cultura, que, fundada um ano antes por Umberto Campagnolo, havia se proposto reunir intelectuais de uma e de outra parte da Europa para ultrapassar, em nome da "política da cultura", as proibições impostas pela "política dos políticos". Muitas das minhas participações como membro dessa Sociedade, entre 1951 e 1955, reunidas no livro Politica e cultura (1955), são dedicadas, na maioria das vezes, a um diálogo sereno, leal, respeitoso, sem deixar de tentar convencer, mesmo nos momentos em que o diálogo parecia, se não interrompido, mais difícil. Na "Introdução" escrita em julho de 1955, afirmo "que o dever do homem de cultura" era, e esta me parece uma condição significativa, "restabelecer a confiança no diálogo" e que o melhor modo de não o interromper "fosse começar a dar o bom exemplo". Os ensaios reunidos, de fato, tinham por objetivo o diálogo e são eles mesmos, quase todos, "exercícios de testemunho do particular comportamento mental ou disposição espiritual que os provocou".
- Sobre o diálogo foram escritas páginas famosas. Seu amigo Campagnolo, que você definiu como "um homem do diálogo", dedica ao diálogo um capítulo inteiro no Petit dictionnaire pour une politique de la culture.
Norberto Bobbio- Sempre levei em consideração esse apelo de Campagnolo ao diálogo, tanto que, como diretor da revista Comprendre, em um dos últimos números publicados no início dos anos 1980 e dedicado ao tema "violência e diálogo", retomei uma de suas manifestações mais significativas: "O diálogo mostra-se hoje, mais do que nunca, necessário. Aos homens, na impossibilidade de se ignorarem em um planeta que se tornou pequeno em comparação com seus conhecimentos e suas técnicas, não é possível outra escolha que não seja entre o diálogo e a violência. O dilema é claro: a conversa ou o combate".

As leituras da formação
Pietro Polito- Você dedica muito do seu tempo à leitura. E sei que você lê à noite. Foi sempre assim? Faça uma distinção entre leitura de trabalho e outras leituras. Norberto Bobbio- Sempre li muito, embora não tenha sido um leitor precoce. Quando jovem, li pouco. Não fui um voraz devorador de livros como meu irmão. Na época, o autor mais querido era Salgari. Comparando-me ao meu irmão e a outros colegas, li dois ou três apenas dos livros de Salgari. Lembro-me de um dos menos conhecidos, Uma sfida al polo. Imagine que o mais célebre dos seus romances, Il corsaro nero, li por curiosidade alguns meses atrás, quando as senhoras Viglongo, amigas de longa data, me enviaram a cópia anastática do livro, no centenário da primeira edição. Comecei a me tornar um apaixonado leitor de livros de qualquer gênero quando já estava no liceo. Mas nunca fui um leitor rápido, o que talvez tenha me tornado com os anos e com a obstinação do leitor profissional. Tanto que fiquei surpreso, quando, numa entrevista pública feita por Beniamino Placido no Salão do Livro de 1995, uma das perguntas foi sobre as minhas leituras juvenis; então, tomei em mãos uma agenda de 1928, onde assinalava mês a mês as leituras feitas, e escolhi, ao acaso, o mês de dezembro, no qual apareciam dezoito livros dos mais díspares, que iam de um romance de Giovanni Battista Angioletti, intitulado Il giorno del giudizio, aos Elementi della politica de Croce. Entre eles, incrivelmente, La chartreuse de Parme de Stendhal. A paixão pelos livros não diminui, pelo contrário, com todos os livros que recebo a cada dia, a tentação aumentou, tanto que raramente consigo ler um livro do começo ao fim. Inicio muitos e não termino nenhum. Mas agora a leitura tornou-se mais uma distração. São sempre mais raras as leituras de trabalho a que você se referiu, pois estas nascem principalmente da pesquisa e das aulas, e, como já faz anos que não ensino mais, meu esforço é maior no sentido de rever pesquisas já feitas do que de fazer outras novas.

- Quais as leituras que foram mais marcantes na formação do filósofo?
Norberto Bobbio- Nos anos da formação, certamente as obras de Croce, e, entre elas, íamos lendo as mais recentes à medida que eram lançadas; tais obras eram sempre assunto de discussão entre nós. Mais as de Croce do que as de Gentile. Torna-se banal repetir e pode ser, além de surpreendente, até mesmo incompreensível para os jovens de hoje, mas a nossa foi uma geração crociana. Não é fácil explicar o que havia de tão sugestivo na obra de Croce. Tentei fazê-lo num artigo que escrevi dez anos após a sua morte. Mas sou o primeiro a perceber que as minhas argumentações valem somente para aqueles que tiveram as mesmas experiências que eu e no mesmo contexto histórico em que foram vividas, incomparáveis, é inútil dizer, com os dias de hoje. Nos anos seguintes à maturità, os autores que me guiaram foram aqueles que mais contribuíram para dar corpo e essência às minhas aulas. Não preciso aqui lembrar que lecionei Teoria do Direito, Teoria da Política e História do Pensamento Político e Jurídico. Para a Teoria do Direito, eu diria Kelsen, para a Filosofia Política, Max Weber. Na História do Pensamento Político e Jurídico, meus autores foram Hobbes, Locke, Kant, Rousseau, Hegel; os meus "clássicos", que por várias vezes eu li e comentei na escola. No que diz respeito a Marx, de Croce e Gentile a Mondolfo e até Gramsci, a obra do autor do Capital foi, em nosso país, uma leitura obrigatória, mas nunca a utilizei como objeto de estudo sistemático.
- Na mesma entrevista com Beniamino Placido, você disse que Thomas Mann foi seu escritor preferido. De que maneira? Quando você leu Mann?
Norberto Bobbio- Considero Thomas Mann o maior escritor da primeira metade do século, que foi também a época da minha formação moral e intelectual. Eu o li e reli na minha idade madura. Refiro-me, em particular, aos três romances, Os Buddenbrooks, A montanha mágica e Doutor Fausto, que é o romance da decadência européia por ele vivida dramaticamente, da Primeira à Segunda Guerra Mundial. São belíssimos os estudos sobre alguns grandes espíritos europeus, de Goethe a Schopenhauer, de Tolstoi a Dostoievski, reunidos no volume Nobilità dello spirito. As mensagens que ele enviou dos Estados Unidos pelo rádio, quase cotidianamente, estão entre as páginas que mais veementemente condenaram a Alemanha nazista. Nobile spirito, Thomas Mann deve ser inserido na galeria de espíritos nobres, por ele criada e ilustrada.

Pietro Polito - Numa recente declaração, você disse que o poeta com quem tem mais afinidade é Giacomo Leopardi. Por quê?
Norberto Bobbio - O que sempre me fascina e, de certa forma, me transtorna quando leio Leopardi, seja em poesia, seja em prosa, é o seu ateísmo profundamente religioso, de uma religiosidade sem igreja, sem dogmas e sem ritos. Falo de uma religiosidade que se lança em direção ao mistério, em que se aprofunda a razão humana sem encontrar nem o princípio nem o fim de todas as coisas. O sofrimento de Leopardi, seu pessimismo exaltado ou execrado derivam dessa aspiração não satisfeita de chegar às raízes das coisas. Há alguns versos da curta poesia "A me stesso", de cujo encanto nunca consegui me afastar: "Envolto pelo extremo engano / de eterno me imaginar"; "À nossa espécie, o destino / não reservou senão a morte". O desolado último verso: "E a infinita vanidade de tudo". Reencontrei o mesmo encanto nas últimas palavras do "Cantico del gallo silvestre", nas Operette morali: "Virá o tempo em que o universo, e a própria natureza, terminarão. Do mesmo modo que, dos grandiosos reinos e impérios humanos e seus maravilhosos levantes, que foram famosos em outras épocas, hoje não perdura nem sinal nem fama alguma, assim também, do mundo inteiro e das infinitas vicissitudes e calamidades que se criaram, não sobrará um vestígio sequer, mas sim um silêncio nu e uma quietude profunda, que sublimarão o espaço infinito. Assim este mistério, magnífico e inaudito, da existência universal, antes de se declarar compreendido, se dissolverá e se perderá". Eu li e reli os versos de Leopardi desde quando era adolescente. Lembro-me ainda às vezes de que, fechado em meu quarto, relia "Le ricordanze" e me comovia, quase até às lágrimas, nos últimos versos dedicados à lembrança de Nerina a quem ele amou e que havia morrido: "E como um sonho/ foi a tua vida. Ali a dançar...".

O ofício de ensinar
Pietro Polito- Gostaria que você lembrasse algum episódio da sua vida em sala de aula. Por exemplo, seu primeiro dia como professor...
Norberto Bobbio- Tenho uma particular tendência de me lembrar dos malogros em lugar dos sucessos. A minha primeira aula foi um fiasco. Havia me preparado bem. Devia ilustrar os itens principais do meu curso. No momento em que estava para ingressar na pequena sala onde haviam se juntado os poucos alunos que freqüentavam a Faculdade de Direito da Universidade de Camerino (a maior parte dos inscritos vinha das cidades vizinhas e de Roma, e não eram assíduos às aulas), ouvi uma voz por trás de mim: "Vamos todos prestar atenção à primeira aula de Bobbio". A minha autoconfiança, de repente, sumiu. Em frente a tantos colegas, inclusive mais velhos do que eu, não ousei sentar-me à cátedra, permaneci em pé, perdi na hora o fio da meada e, por mais de meia hora, não consegui retomar a fala. Um dos vexames da minha vida (tive vários!) que nunca se apagou da minha memória.
- Mas qual era o tema do seu primeiro curso?
Norberto Bobbio- Desde esse primeiro curso planejei o ensino de filosofia do direito como a análise dos conceitos gerais da teoria do direito, mais que como a filosofia do direito, segundo o que se pretendia na época da hegemonia da filosofia idealista; não a filosofia do direito propriamente dita, mas a teoria geral do direito que, desde então, dividi nos três capítulos principais: as fontes do direito, a norma jurídica e a normativa jurídica.

- Você ensinou filosofia do direito por muitos anos, de 1935 a 1972.
Norberto Bobbio- À medida que se desenvolviam os meus cursos, que prosseguiram primeiramente em Siena, depois em Pádua e, por último, em Turim, fui aperfeiçoando a análise dos conceitos gerais da teoria do direito, e dali nasceram os meus dois cursos mais conhecidos e por várias vezes reeditados Teoria della norma giuridica e Teoria dell'ordinamento giuridico, que, recentemente, convergiram em um único livro intitulado Teoria generale del diritto. Freqüentemente eu alternava esses cursos teóricos com cursos sobre a história do pensamento jurídico, o direito natural do século XVI e do século XVII, sobre Locke, sobre Kant e, o mais adotado em outras universidades, sobre o positivismo jurídico. Por uma vez somente ministrei um curso de história das idéias pacifistas e das teorias sobre a guerra em 1964-1965, que é a base de uma das orientações dos meus estudos e contém informações históricas das quais amplamente me servi para o primeiro ensaio sobre o assunto, "Il problema della guerra e le vie della pace", apresentado em Nuovi Argomenti no ano de 1966.

- O primeiro dos seus cursos a que assisti foi aquele dedicado a "La teoria delle forme di governo nella storia del pensiero politico". Diria que o ensino da filosofia da política seguiu o mesmo método adotado para a filosofia do direito.
Norberto Bobbio- Sim, mais o método analítico que o histórico. De fato, no curso citado, minha intenção foi, sobretudo, descrever as principais tipologias das formas de governo que perduraram desde os gregos até a Idade Moderna, comparando-as em entre si e ilustrando suas afinidades e diferenças. Meu último curso, no ano letivo 1978-1979, foi dedicado a um conceito fundamental na história do pensamento político, o conceito de revolução, a começar pelo Livro V da Politica de Aristóteles, que trata das "mutações", ou seja, da passagem de um governo a outro. Esse curso, que permaneceu inédito, foi meticulosamente reconstituído por intermédio das anotações feitas por alguns estudantes, por iniciativa de Michelangelo Bovero, que hoje está organizando um volume dos meus ensaios de filosofia da política que se intitulará Teoria generale della politica. Sobre o tema da revolução, com explícita referência ao meu último curso, escrevi alguns anos depois um artigo, "La rivoluzione tra movimento e mutamento", publicado em Teoria politica, revista fundada em 1985 por uma comissão editorial da qual eu mesmo faço parte, dirigida por Luigi Bonanate, principalmente com o propósito de acrescentar, às revistas tradicionais de história das doutrinas políticas e de ciência política, "uma revista que se ocupe explícita e programaticamente de teoria política" e de "favorecer e incentivar o interesse pela pesquisa neutra e apaixonada da vida política". Dessa elaboração nasceu a idéia de um livro didático, no qual foram reunidos alguns dos meus ensaios que mais se adequavam, em sua totalidade e colocados em ordem sistemática, a ilustrar os conceitos principais da política.

Os anos do fascismo
Pietro Polito - Você exerceu o ofício de ensinar em diversos momentos da história do nosso país. Começou no tempo da ditadura...
Norberto Bobbio - Sempre afirmei, e aproveito esta ocasião para repetir mais uma vez, que, mesmo durante o fascismo, a Universidade pôde desfrutar de certa liberdade, uma vez que fosse garantida a homenagem formal nas cerimônias públicas, nos discursos inaugurais e nas ocasiões em que o regime requeria obediência. Quando freqüentei a universidade como estudante, no período entre 1927 e 1933, não me lembro de nenhum curso dos nossos professores que fosse um veículo de doutrinação. A maioria absoluta dos professores sabia muito bem distinguir entre a sua função de educador e a adesão, como cidadão, ao fascismo. A situação, naturalmente, foi piorando, especialmente depois do décimo aniversário da Marcha sobre Roma [1922], mas nas três universidades em que lecionei naqueles anos, Camerino, Siena e Pádua, não sofri nenhum tipo de pressão. Nos últimos anos, durante a guerra, quando o fascismo era nominalmente triunfante, mas efetivamente havia começado a morrer, dei aulas que tinham como temas os direitos naturais, o liberalismo, o socialismo, a história do liberalismo e do socialismo, temas que eram notoriamente contrários ao regime. Lembro-me ainda de que, no final do ano letivo 1942-1943, pouco antes do colapso do fascismo, quando a situação era tal que não deixava dúvidas sobre o desfecho da guerra, um estudante, Beppe Gerardis, um dos que tinham freqüentado assiduamente o curso e que, mais tarde, se transformaria num membro ativo dos primeiros grupos de resistência, em nome dos companheiros fez um breve discurso de agradecimento por aquilo que eu lhes havia ensinado.
- Retornando àqueles anos, Eugenio Garin lembrou o tema da "dissimulação honesta", segundo o título dos escritos de Torquato Accetto, não por acaso desenterrado por Croce em 1928.
Norberto Bobbio- Exatamente. Eu mesmo, para mencionar esse mesmo comportamento, falei de nicodemismo, quer dizer, da representação a que se submetiam os dissidentes na época das perseguições religiosas, cumprindo externamente os atos de devoção prescritos para poder continuar a sustentar, conscientemente, o próprio pensamento. Dissimulação, no sentido daquela atitude em que se finge não ser o que na realidade se é (diferentemente da simulação, que é o comportamento em que se finge ser o que não se é); e honesta, pois em algumas circunstâncias pressupõe-se que o fingimento seja justificado, mesmo não sendo moralmente aceitável. É supérfluo dizer em quantas ocasiões a praticamos. Uma típica manifestação de dissimulação honesta ou de nicodemismo consistia em proferir, em um discurso oficial (mas não em uma aula na faculdade), algumas palavras de elogio ao Duce ou ao fascismo.
- Pode-se considerar o juramento imposto pelo regime em 1931 aos professores universitários - que, como se sabe, somente pouquíssimos se recusaram a prestar - um ato de dissimulação honesta?
Norberto Bobbio- Não. As motivações que levaram a maior parte dos professores de então e os que vieram depois (e entre eles eu me incluo) a aceitar fazer o juramento são distintas: mesmo do ponto de vista religioso ou de consciência, pode-se sustentar que um juramento imposto e sancionado com penas graves, como a expulsão da atividade de ensino, não esteja vinculado ao interiore homine, e, portanto, o juramento de fidelidade ao regime comportava pura e simplesmente a adesão externa que já relatei. O mesmo se refere à inscrição forçada no Partido Nacional Fascista. Serve de exemplo um recente episódio. Por intermédio da publicação dos arquivos de Cesare Maria De Vecchi, conhecida autoridade fascista, constatei que Guido Gonella - que se tornaria, como qualificado representante da Democracia Cristã, o primeiro ministro da educação dos governos De Gasperi - havia solicitado, em 1934, a inscrição no partido. O responsável pela organização dos arquivos explica essa solicitação, inserindo-a na trama secular e intrigante das relações entre Estado e Igreja na Itália. A minha explicação é muito mais simples. O episódio do jovem professor Guido Gonella, que não reconhece o passado antifascista e aspira a obter a filiação ao partido, pertence à modesta crônica cotidiana de prepotência imposta por um estado policialesco e não é propriamente o caso de perturbar a história nacional. Gonella, estudioso da filosofia do direito, de quem eu era amigo, almejava conseguir a livre-docência, e para ter acesso ao concurso, como, aliás, a qualquer concurso público, era necessário ser inscrito no partido. Sei com certeza que Gonella desejava obter a livre-docência, pois, no mesmo ano, fiz o requerimento, com Renato Treves, para conseguir esse mesmo título. De fato, no final de 1934 nos encontramos em uma sala de aula da Sapienza para a entrevista e o exame postulado. Que a carteirinha do partido tenha sido para ele unicamente, como se dizia na época, a "caderneta do pão", e não o fruto de um tardio reconhecimento dos benefícios do regime, pode-se comprovar pelo fato de que ele continuou a praticar, protegido pelo Vaticano, uma sutil, mas não invisível, crítica ao regime, redigindo a seção "Acta diurna" do Osservatore Romano, umas das poucas vozes livres nos anos da guerra.
Os anos da democracia

Pietro Polito- O período em que você lecionou durante o fascismo, porém, é breve, comparado aos longos anos em que praticou o ofício de lecionar na era da democracia. Pode fazer uma comparação entre essas duas experiências?
Norberto Bobbio- Pelas lembranças de que falamos há pouco sobre o período em que lecionei durante o fascismo, creio poder dizer que, seja com respeito ao conteúdo, seja com respeito aos ouvintes, não me parece que tenha havido uma grande diferença. Note que a passagem do fascismo à democracia aconteceu durante os anos em que lecionava em Pádua e as obras de referência que usei no último ano do fascismo, 1942-1943, foram igualmente utilizadas no primeiro ano após o fascismo, 1945-1946. Umberto Scarpelli, um dos meus primeiros alunos depois da Liberazione, e que me dedicou um dos seus primeiros livros, Marxismo ed esistenzialismo, lembrou-se disso com as seguintes palavras: "Conforme dizíamos".
Pode parecer estranho, mas, se houve uma diferença, ela é exatamente o contrário do que se poderia imaginar: como eu tenho dito, pelo menos nos últimos anos, eu inseria nas aulas um compromisso ético-político que tentei evitar uma vez restabelecida a liberdade. Nos meus cursos em Turim, raramente deixei transparecer as minhas preferências ideológicas, esforcei-me sempre por demonstrar um estilo o mais asséptico possível. A ideologia democrática, de uma democracia social, era considerada um pressuposto. Era a ideologia da Constituição, nascida logo após a queda do fascismo. Do ponto de vista teórico, o meu principal inspirador foi Kelsen, que havia defendido, com argumentos fortes, a análise da teoria do direito não por acaso chamada de "pura", de tal forma que deveria servir tanto a uma normativa liberal, como a americana, quanto a uma normativa socialista, a soviética. Permita-me recordar que, quando dei a última aula, estava presente o colega a quem me sentia intelectual e politicamente mais próximo, Alessandro Passarin d'Entrèves, e então, mais ou menos com o mesmo temor e tremor com que me apresentei na minha primeira aula na Universidade de Camerino, citei com firmeza a célebre frase que, logo após a Primeira Guerra Mundial, em frente aos alunos que do notório professor esperavam uma orientação política, Max Weber pronunciou: "A cátedra não é nem para os demagogos nem para os profetas".

- Um outro momento difícil da sua vida de educador, que o envolveu também como pai, foi 1968, durante o qual não foi fácil, penso, manter esse distanciamento e permanecer impassível.
Norberto Bobbio- Meu filho era na época o secretário da assembléia universitária (o "parlamento dos estudantes") como representante da UGI, que agrupava tanto os socialistas como os comunistas. Os documentos do chamado "poder estudantil", oposto ao "poder dos barões", eram assinados pelo meu filho. Como você pode imaginar, por muitas vezes me encontrei em dificuldade, especialmente nas reuniões da faculdade. Eu já falei disso que chamei um "conflito familiar" na Autobiografia.

- Como era sua relação com os estudantes contestadores?
Norberto Bobbio- Diante da contestação, como então era chamada, sempre me dividi entre consenso e dissenso. Consenso, porque algumas demandas dos estudantes, especialmente a de um envolvimento mais ativo por parte dos professores na realização das suas funções e um distanciamento menor por parte dos destinatários naturais dos seus ensinamentos, eram exigências não somente legítimas, mas, cotejando a nossa universidade com as americanas, que eu havia visitado naqueles anos, necessárias; dissenso, com relação ao modo como essas exigências eram feitas; assembléias tumultuosas em que se votava por aclamação, não se deixavam falar os dissidentes, ameaçava-se usar a força do número contra as minorias dissidentes, invadiam-se pela força as salas onde se reuniam os estudantes não-contestadores e as aulas eram interrompidas, muitas vezes tomando-se o lugar dos professores e os impedindo de falar. Aqueles que, como eu, procuravam o diálogo, participando por vezes das assembléias, logo perceberam que o diálogo não era possível. Lembro-me de uma dessas assembléias em que fui como convidado. Quando pediu a palavra o representante do Partido Republicano, que é um partido notoriamente antifascista, mas não de esquerda, não o deixaram falar. Levantei-me e deixei o salão. Além disso, era inaceitável a pretensão de não seguir as matérias das aulas da maneira como vinham apresentadas nos currículos, mas sim organizar cursos chamados de autodirigidos, quando se tratava de assuntos como a Guerra do Vietnã, o imperialismo americano, a revolução chinesa, ou quando eram interrogados durante as avaliações. Em nome do princípio de um igualitarismo abstrato, que não deveria fazer distinções entre ricos e pobres, entre capazes e medíocres ou até mesmo péssimos, era também absurda a presunção de que, quando interpelados nos exames, todos deveriam obter a mesma nota.
- Causa impacto a convergência entre o seu juízo e o de Garin que, após ter afirmado que a revolta estudantil de 1968 lhe pareceu a necessária conclusão de uma política errada e culpada, observa: "O Sessantotto não apenas não melhorou em nada a situação, como piorou-a ainda mais, carregando-a inclusive de ideologismos abstratos". E acrescenta: "que eu me lembre, foi uma das circunstâncias mais melancólicas".
Norberto Bobbio- Não posso dizer que ele esteja errado. Tanto barulho para nada. Uma chama que logo se apagou, deixando talvez somente um punhado de cinzas. Não obstante o entusiasmo com que o poder estudantil, como então era chamado e que nos melhores estudantes certamente era sincero, reivindicava uma reforma radical da universidade, uma universidade mais livre em que as relações entre professores e alunos originassem uma verdadeira comunhão de intenções e de vida, as coisas não mudaram muito; talvez, tenham até piorado. A única grande reforma que surgiu após a "contestação" foi a da "liberalização das admissões", que permitiu a inscrição em todas as faculdades até mesmo dos alunos das escolas técnicas que, até então, não podiam se matricular em faculdades que não fossem de Economia e Comércio e, iniciando já naquele ano, na nova Faculdade de Sociologia de Trento. Era uma inovação importante, mas foi, como acontece freqüentemente no nosso país, muito mal aplicada, quer dizer, sem condições e sem limitações. Lembro-me dessa reforma porque também meu programa de curso, em parte, foi alterado. Como conseqüência da liberalização, inscreveram-se na Faculdade de Direito centenas e centenas de diplomados, inclusive mais idosos, que podiam, finamente, ingressar na universidade. Naturalmente, tratava-se de estudantes que já trabalhavam e uma laurea poderia melhorar suas carreiras. Instituí para eles um curso aos sábados pela manhã. Li página por página e analisei o Contrato social de Rousseau, com o intuito de encaminhá-los à "disciplina dos clássicos" que sempre considerei um momento fundamental da minha didática universitária.

- Gostaria que você se detivesse um pouco mais no que, me parece, tenha sido a característica da sua doutrina pedagógica, isto é, favorecer o encontro e o confronto dos seus estudantes com os autores, especialmente os clássicos. Qual é, em sua opinião, o dever principal do professor?
Norberto Bobbio- Sempre considerei que a principal virtude do professor é a clareza na exposição dos conceitos fundamentais e na organização discursiva das suas definições. Se alcancei isso, não sei. Os diversos conteúdos dos meus cursos foram continuamente adotados em outras universidades. Sempre dei muita importância ao que chamei "disciplina dos clássicos": ler e comentar os grandes textos do pensamento político e jurídico. Não separar a teoria da história; cotejar a teoria com a história e utilizar a história para ilustrar a teoria. Do abstrato ao concreto e do concreto ao abstrato. A teoria sem história é vazia, a história sem teoria é cega. Um outro mérito que me concedo, e me desculpe a vaidade, é nunca ter me permitido cair na rotina. É inútil dizer, uma prática constante do professor é repetir, no ano seguinte, exatamente o que havia dito no ano anterior. Acontece regularmente que se diga de um professor que é inútil assistir às suas aulas, pois tudo aquilo que está dizendo já foi dito, escrito e impresso. Não estou dizendo, de forma alguma, ter feito a cada ano um novo curso. Mas, ainda hoje, por toda parte se encontram muitos textos dos meus cursos.

- Li recentemente, em uma breve entrevista autobiográfica, uma frase de Toni Negri que diz respeito a você e àqueles que ele considera "os verdadeiros grandes mestres que me ensinaram coisas. Como Bobbio, Guarino, Chabod, Opocher, o reitor de Pádua... E mais tarde, em Paris, como Foucault, Deleuze e Guattari".
Norberto Bobbio- Conheci Negri jovem filósofo do direito, aluno de Enrico Opocher, meu assistente nos meus últimos anos em Pádua e depois sucessor. Ele fez parte dos jovens estudiosos que eu havia selecionado para um seminário de teoria do direito com o conhecido filósofo do direito inglês Herbert Hart, que aconteceu na Villa Serbelloni, de Bellagio, em setembro de 1960. Nos primeiros anos do seu encarceramento, mantivemos uma amigável correspondência. Desde então, não o vi mais.

O ofício de escrever
Pietro Polito- Da entrevista autobiográfica, já comentada, de Gnoli e Volpi com Jünger, extraio uma bela definição da tarefa do escritor: "O verdadeiro escritor, como a autêntica riqueza, se reconhece não pelos tesouros que possui, mas pela sua capacidade de tornar preciosas as coisas que toca. Portanto, ele é como uma luz que, mesmo sendo invisível em sua forma, aquece e torna visível o mundo". De fato, "o poder de um escritor - segundo o filósofo alemão - está implícito nisso: em duvidar da confusão e não se deixar levar pela atmosfera apocalíptica". O que pensa disso?
Norberto Bobbio- É difícil, para mim, comentar essa concepção de Jünger porque, como já lhe disse, nunca me senti um "verdadeiro escritor". Uma coisa é escrever, outra é ser escritor. Nunca pensei possuir a capacidade de "tornar preciosas as coisas que toco". Essa virtude pertence, mais que ao escritor no sentido geral da palavra, ao poeta. A minha veia poética extinguiu-se após alguns anos de dedicação. É raro alguém que, quando adulto, tenha se ocupado de disciplinas filosóficas, históricas, em geral humanísticas, não tenha publicado durante a juventude um pequeno volume de versos; ou não tenha se apresentado aos amigos lendo as próprias poesias. Como se deve definir a veia poética eu não sei. Mas há os que a têm, os que não a têm, e os que a tiveram por um breve período de suas vidas, que é, decerto, a juventude.
Reconheço-me em parte, se é assim e se eu entendi bem o sentido da frase, na virtude de evitar a "confusão" e de não me abandonar à "atmosfera apocalíptica". Os escritores que amo são aqueles que amam as idéias claras e determinadas e as exprimem com ordem. Dos escritores obscuros prefiro não me ocupar, não porque considere que não sejam talvez mais importantes do que os claros, mas talvez porque eu não os entenda ou me custe muito esforço entendê-los. Sou até capaz de admirá-los, mas observo-os de longe. Se por "atmosfera apocalíptica" se entender o fantasiar sobre o próprio futuro e sobre o da humanidade, eu o recuso, não sei se por falta de fantasia ou por reserva.

- Demos algum exemplo de escritor claro e determinado.
Norberto Bobbio - Não tenho nenhuma dúvida em propor o nome de Thomas Hobbes. Atendo-me a uma tese de laurea sobre a minha interpretação a respeito do grande filósofo inglês, acabei por redescobrir uma frase minha de mais de quarenta anos atrás: "Hobbes é um dos autores que mais estudei e com maior interesse e empenho. Satisfaz-me porque observa a realidade humana com o olhar frio e seguro de Maquiavel, mas escreve e reflete como Descartes".

- Diria que Bobbio pertence à classe dos escritores claros...
Norberto Bobbio- Já me aconteceu admitir que, "entre os elogios, o mais prazeroso que algumas vezes me é dirigido é o da clareza, mesmo a clareza não sendo sempre uma qualidade e a obscuridade nem sempre um defeito. Sei bem que existe também uma clareza enganadora". O próprio Hobbes foi considerado réu de confusing clarity.
- Como nasce a sua escrita? Você acabou de lembrar que não mantém um diário, porém creio que você escreva, praticamente, todos os dias.
Norberto Bobbio- Sim, é verdade, escrevo todos os dias, talvez por necessidade ou por obrigação. Cartas, como já lhe disse, apontamentos sobre os livros que leio e reflexões sobre as obras que estou preparando. Reúno-os em breve anotações que chamo de foglietti, que transbordam de novas e velhas gavetas [36]. Mas, não obstante o longo e ininterrupto exercício, não sou do tipo que escreve com fluidez. Dificilmente, a não ser nas cartas que agora dito, a primeira redação me agrada. Mesmo que nesses últimos anos eu tenha escrito também bastante para jornais, sinto-me em dificuldade quando me pedem um artigo de um dia para o outro, exceto no caso de morte repentina de um personagem de quem não posso recusar o necrológio. Os diretores do La Stampa já sabem que não me devem nunca solicitar algum comentário no calor da hora, como se diz, sobre os fatos do dia. Mesmo as minhas entrevistas precisam ser revistas e corrigidas. Parecem conversas, mas na realidade são conversas escritas e reescritas.

- Quais as páginas que você escreveu e a que se sente mais apegado, as que mais você aprecia?
Norberto Bobbio- Entre as páginas a que mais me afeiçoei, encontram-se as dos meus livros de testemunho, pois são páginas em que exprimo os mais fortes laços afetivos que tive com as pessoas, como escrevi, que "me ajudaram a viver". Você os conhece bem, são Italia civile, Maestri e compagni, Italia fedele (este último exclusivamente sobre Gobetti e o seu mundo). Não é necessário que lhe diga que está em preparação um quarto livro, que será provavelmente intitulado Amici ed allievi.
A íntegra da entrevista, por ocasião dos noventa anos de Norberto Bobbio (1909-2004), foi publicada em Estratti della Nuova Antologia (n. 2.211, jul.-set. 1999), da Fondazione Spadolini Nuova Antologia, Itália. Este texto, sob o título de "Ofício de viver, ofício de ensinar, ofício de escrever", foi publicado originalmente na revista Estudos Avançados, v. 20, n. 58, 2006.

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